20.8.07

Chamado (exercício)

Ei, você, chegue mais perto.
Venha ver
que estranho
quem será?
está sozinho?

Venha, não se acanhe,
só um minuto antes
de você chegar no trabalho
­de você pegar o metrô
...........................................(é bom deixar a menina esperando, é o segundo encontro)
de você tomar um chope
...........................................(hoje eu disse que ia ficar só uma hora, não posso enrolar)
de você continuar seu caminho.

Fique nas pontas dos pés,
o que você vê é único.
Não tem carta de condolências
comunicado oficial
anúncio
perfil do personagem no estilo jornalismo literário
telefonema.

Comente, converse, esqueça
a parcela da casa
o condomínio
o chefe filho-da-puta que ganha pra caralho mas não faz porra nenhuma
a filha grávida.

Come up from the fields, father, here’s a letter from our Pete,
ali está um pé,
ali deve estar uma barriga,
imagine você sob a lona preta,
não é você.

Agora caminhe olhando para baixo.
E pense.
Obedeça.
Caminhe e pense.
Ouviu?
Já está chegando lá.
Pense.
O que você viu mesmo?
Só mais um pouquinho.
Mas ande.

9.8.07

Mais uma morte da História - apontamento

No livro Amor, pobreza e guerra, encontro uma frasezinha interessante: "Em toda parte, mas em particular nos Estados Unidos, o estudo da História está em acelerado declínio." Estava pensando como, em literatura - e, por razões óbvias, em cinema também -, quase só estudamos e lemos o que está a apenas um século de distância. (O interesse da cultura de massa pela História está muito mais ligado a uma história mítica, como um filme de Hollywood, penso.)
Aí entra um paradoxo: como a história parece andar cada vez mais rápido - possivelmente a revolução informática tem uma importância enorme, como teve a industrial -, temos menos tempo para olhar para trás. Gastamos muito tempo lendo os jornais, nos atualizando (palavra da moda), e não mais nos detemos nos "clássicos", como diziam antigamente.

Semana passada, quando li uma matéria do Prosa & Verso do Globo sobre as influências literárias da nova geração de escritores, achei uma atitude burra a conclusão de que "os novos não são 'estudiosos', não lêem os clássicos". Para mim, era claro que, se você ler Gonçalves Dias e Pessoa, vai ser influenciado pelo português, porque é mais próximo à nossa linguagem, à nossa realidade e ao nosso tempo. Não acho que essa minha conclusão esteja errada, mas penso que há um outro lado: estamos, sim, mais preocupados com a atualização do que com o "diacrônico", poderíamos dizer.

P.S.: Esse papo se estenderia muito, já que muitos e muitos fatores teriam que ser acrescentados, como o estranho fato de que os contemporâneos só são lidos por seus pares. Aparecem muito em jornais, mas não têm público-leitor. (Li um depoimento do Décio de Almeida Prado sobre Mário de Andrade em que ele diz que os modernistas eram muito influentes, mas pouco lidos, e apenas pelos "pares". Acho que isso ocorre com o contemporâneo.)

Machado e Nelson Rodrigues - apontamento

Acho que a admiração que Nelson Rodrigues nutria por Machado de Assis fica bem explicada se compararmos principalmente seus contos - A vida como ela é... - com algumas coisas do "jovem Machado". Estou pensando principalmente no conto "Luís Soares", em que praticamente tudo que o Reacionário usaria depois. Lá estão as "verdades verdades atrozes" - ex.: quando a prima fala "Ele não me ama, nunca me amará" -, sempre cobertas de uma ironia que ao mesmo tempo a desmente. Lá está o final trágico, assim como a idéia de que, pela confiança extremada, o "pai de família" pode trazer a destruição da própria - recurso que Nelson utilizaria obsessivamente nos contos de A vida...
Essa comparação seria útil para reavaliar a prosa de Nelson - que muitos acham superficial - quanto a obra de juventude de Machado - que muitos acham ultrapassada, ao contrário de sua obra da maturidade.

1.8.07

Da vida das marionetes

Acho que a minha melhor "experiência teórica-estética" aconteceu com o Da vida das marionetes. Meu cunhado chegou com uma fita com alguns curtas e "um filme alternativo alemão". Comecei a ver o filme, pensando: cinema alternativo geralmente é sinônimo de tentativas formais auto-referentes, como alguém que quisesse ser o Fassbinder mas não consegue - no Brasil, peseudo-Glaubers.
Como eu não conseguia diferir o sueco do alemão, assisti até o final como se fosse um filme alternativo. (Como Bergman não gastava dinheiro com "produção", é mesmo "alternativo", "indie".) Terminei chapado, tinha visto um daqueles filmes que despertam uma associação de reflexões existenciais e estéticas. Nos créditos, identifiquei finalmente algumas palavras: Ingmar Bergman. Foi assim que descobri que o filme era dele.
Isso foi uma prova "experiencial", quase científica, de que realmente existem textos (filmes, nesse sentido, que seriam textos barthesianos) não-legíveis, que falam pouco, que dão um espaço enorme para o leitor (ou espectador) atuar. (Todos os filmes do mainstream americano são tagarelas, mesmo a marioria dos do Scorcese. Não dão espaço para quem assistem a eles pensar.)
É prova também de que não é só o nome que conta. Comigo aconteceu o contrário do que Paulo Coelho relatou em sua declaração ao jornal O Globo de ontem: não houve coerção da época sobre mim para que eu gostasse do filme, ninguém disse que eu deveria apreciá-lo, eu estava até mesmo com preconceito negativo. Mas vi um dos melhores filmes da minha vida.