26.10.06

da série "salvo prova em contário"

"Habituei-me também, nesses últimos anos, a ver, ao lado dos animais, crianças, velhos, mulheres, todos empenhados em revirar o lixo à procura de algo para comer, vender ou vestir. O espetáculo da miséria, antigamente limitado às favelas, e depois também ao Centro, espalhou-se por toda a cidade, até mesmo pelos bairros residenciais e privilegiados — Miraflores, Barranco, San Isidro. Quem mora em Lima tem de se acostumar com a miséria e com a sujeira, ou então enlouquecer e se suicidar."
Mario Vargas Llosa, sobre Lima, mas aplicável, com certeza, ao Rio de Janeiro.

20.10.06

Este texto não existe

Neste momento, estou escrevendo um texto só de citações. Cada palavra que digito já saiu, um dia, da pena, das teclas, da boca de outro autor. Estas linhas, que você, leitor, agora lê - no mesmo momento em que elas aparecem na tela que vejo -, eu apenas me apropriei delas, e neste instante você as rouba de mim.

A escritora

Você não me dá atenção, ela dizia. Você gosta mais dele do que de mim - o livro em frente aos olhos dele.
Então, ela começou a escrever na pele. Letras, palavras, frases - cada vez mais intricadas, cada vez mais sedutoras. Escrevendo em todas as partes do corpo, ela conseguia, dia a dia, satisfazer seus desejos.
(Obviamente, inspirado em Budapeste, do Chico Buarque.)

11.10.06

Vargas Llosa, o barroco

Baudrillard disse que Foucault usava o poder para criticar o poder. No trecho abaixo, de um livro que vai sair daqui a pouco, Vargas Llosa usa a prolixidade para criticar a prolixidade (de um autor chamado José Lezama Lima):

"Há muitas páginas de Paradiso nas quais o emaranhamento, o oceânico acúmulo de adjetivos e de advérbios, a sucessão de frases parasitas, que por sua vez se subdividem em outras frases parasitas, o abuso de símiles, de parêntesis, a sobrecarga, o adorno e o avanço ziguezagueante, as idas e vindas da linguagem acabam por ficar quase insuportáveis e desencorajam o leitor." (tradução minha)

Vargas Llosa é anacrônico não apenas em algumas opiniões políticas. Sua prosa, como bem viu Alberto Manguel, é semibarroca, está sempre a ponto de cair em rococós retóricos. Mas, apesar disso, seus livros e textos são fascinantes. Ou, para citá-lo novamente:

"Mas, apesar disso, quando se termina o livro, esses excessos verbais caem soterrados pela excitação, pelo deslumbramento (causado pela leitura)..."