28.1.06

Cultura e resistência


Ouvimos falar muito da resistência armada palestina, e um pouco da resistência de partidos políticos. Mas quantas vezes vimos, ouvimos ou lemos algum artista engajado palestino?
Para o bem e para o mal, lá vai ao menos um exemplo, o personagem Hanthala (uma criança que sempre aparece de costas para o leitor e de frente para uma imagem significativa), Amargura em português, de Naji Al-ali, assassinado há quase vinte anos. Ele dizia que esperava que seu personagem sobrevivesse à sua morte.

Tão importante quanto o protesto é a forma de protestar. Há, entre os palestinos, a mesma discussão que existe(iu) entre nós: qual é o ideal do artista consciente da realidade política. Lembremos dos diversos movimentos brasileiros (CPC, Cinema Novo, Tropicalismo, etc.).

O que é civilização e barbárie?

O que é civilização?

Resposta: civilização é o engarrafamento de um conto do Cortazar, em que, numa estrada que vai a Paris, milhares de pessoas ficam presas e, aos poucos, estabelecem relações de amizade, comércio, antagonismo, amor... Quando o engarrafamento começa a acabar, o rearranjo da ordem dos carros faz com que as relações dessa micro-sociedade também de rearranjem, até que os carros aceleram, acabando com os amores, as amizades, os antagonismos, o comércio.

O que é barbárie?

Barbárie ocorreu ontem, depois das sete da noite, no Rio de Janeiro. Até meia noite, o trânsito da cidade esteve caótico — mais do que de costume.
O homem de hoje é um solitário. Mas não um solitário como aquele sonhado por um Nietzsche, que seria o homem que não se entregaria às convenções da sociedade.
O homem de hoje é o solitário que vive na ilusão de ser social. Mas em uma situação em que seria possível estabelecer uma micro-sociedade, cria-se um ambiente de luta, de animosidade. Não, não é a expansão de cada corpo, de cada motorista. O atrito entre cada carro, o desrespeito a cada lei de trânsito, é como um acúmulo de matéria maligna nos vasos sanguíneos: aos poucos, o destino desse homem é o infarto, e da sociedade, a decomposição final.
Pessimista? Sim. Mas é porque eu sonhei com outro homem, com o homem que teria quase como uma segunda natureza o estabelecimento de relações sociais complexas.
Nada mais simples — e pobre, e triste — do que a animosidade geral.