17.10.05

Epifânio tem uma rotina

Epifânio tem uma rotina. Acorda todo dia às 5 da manhã. Calça seus chinelos, e olha pela janela. A árvore à frente, com as folhas verdes e viçosas ou com os galhos secos e desfolhados; o vento fresco ou o bafo quente; o sol à toda ou a noite ainda entrevista.
Ele procura sinais. Veste-se de forma a estar preparado para o que der e vier. Toma o café da manhã na padaria, olhando de soslaio para todos que passam. Volta para casa e toma um banho gelado – algo na água passa energia para o corpo, revigora para a vigília.
Espera um telefonema. Espera algo na tevê ligada. Sai para o trabalho.
Epifânio lê o jornal no metrô. O que há no jornal? O que há no metrô? Existe, Epifânio, mais coisa entre uma estação e outra do que julgam nossa vã quiromancia.
Ele tem um método de leitura. Não reconhece palavras, mas signos maiores, símbolos, avisos nas letras do noticiário. Em algum lugar está a mensagem escrita só para ele, em uma língua que só ele conhece.
O remexer do vagão conversa com ele, atento a cada variação do barulho monótono dos trilhos. Aquilo não o cansa. Não dorme na viagem. Cada som faz parte de uma sinfonia universal, e ele está pronto para notar a mínima desarmonia.
Atende cada um dos reclamantes, requisitantes, requerentes e representantes como se eles pudessem ser algo mais do que reclamantes, requisitantes, requerentes e representantes. Hoje nenhum deles significou coisa alguma. Nem amanhã, nem depois e depois. Rostos e mais rostos sem sentido.
Volta para casa hoje, como voltará amanhã, procurando algo que implodisse seu cansaço. Liga a televisão. Algum dia da tela sairia uma teia que o ligaria a todos os outros espectadores do mundo. Não poderia ser tão insignificante o fato de milhares de pessoas olharem para o mesmo ponto, ao mesmo tempo.
Mas ele se cansa e vai dormir, com a esperança de que, no dia seguinte, acordaria transformado em alguma coisa diferente de si.
No dia seguinte, acorda o mesmo. Com uma ruga a mais, um fio de cabelo a menos, mas nada brusco acontecera. Por que, em sua vida, tudo era gradual?
Até que um dia Epifânio acordou – ainda um homem normal – e teve a certeza de ser único. Ele sabia – apenas ele – o que aconteceria naquele dia. Mas ele nada podia fazer. Continuou ali, deitado na cama, enquanto as horas passavam...