25.5.05

O diretor e seu universo

Teorema é um dos filmes que marcam a geração de 68 na Europa. Sintetiza muito a formação de Pasolini: Marx, catolicismo e sensualismo. O protagonista (como esta palavra soa anacrônica quando falamos desse filme) serve como catalizador para uma mudança política no interior mesmo da burguesia. Me lembra um pouco o marxismo messiânico de Walter Benjamim.
Vi outro filme do Pasolini, Pocilga, e agora Decamerão, primeiro da Trilogia da Vida. Os autores, em suas obras, recombinam os mesmos elementos de diferentes formas, às vezes elimimando alguns e adicionando outros. Decamerão tem a mesma carga sensual, a mesga visão política do cotidiano de Teorema. Os nove contos de Giovanni Boccaccio (1313-1375) são apresentados como expressões de um ethos comum à uma época - um misto de devoção e profanação, próprio da arte da Idade Média e do início do Renascimento (v. Bakhtin) - mas variadas de acordo com a classe social. Quando os pais de uma garota a encontram na cama com um herdeiro de uma família rica, ficam, ao invés de consternados, felizes. Já quando três irmão descobrem que a irmã está dormindo com um "aprendiz", decidem matá-lo. A contraposição dos diferentes resultados (existência) em um mesmo ambiente estão tanto em Teorema - a reação de cada integrante da família frente à sensualidade catalizadora do visitante inesperado - quanto em Pocilga (não caberia aqui falar das inúmeras antíteses entre as duas histórias deste filme).
As figuras do Decamerão - mais figuras do que personagens - estilizadas, são como as figuras do pintor Hieronymus Bosch, do final do século XV. Faces angulosas, magreza extrema, bocas desdentadas. Estes dois universos, as imagens "grotescas" e os contos sensuais e profanos, pertence a um mesmo universo, reproduzido e atualizado por Pasolini.
Em Teorema, Pasolini havia invertido a função do protagonista. Este costuma ser aquele personagem cuja vida sofre mudanças de acordo com os estímulos do ambiente (é isso que aprendemos nas aulas de roteiro). Para Pasolini, o protagonista é aquele que faz os personagens vicários serem transformados. ele é um impulso, algo enviado (por quem?) para redimir o mundo. Decamerão inverte a sensualidade cinematográfica, recusando o sexo feminino e buscando o masculino, como se recusasse o conforto e escolhesse o poder.
Para dar unidade aos nove contos e, ao mesmo tempo, para inserir outro elemento àqueles que compõe o universo de signos do filme, Pasolini cria um alter-ego: um pintor que é convidado a Nápoles - onde as histórias se passam - para pintar a parede de uma igreja. O "mestre" passa seu tempo trabalhando fervorosamente, seja pintando com seus apaixonados estudantes, seja "fotografando" a vida na cidadela, para a tranformar em modelos pictóricos. O amor pelo homem comum. O homem comum como personagem. Ao fim, quando termina seu trabalho, o "mestre" reflete: "para que realizar a obra, se é tão bom sonhá-la?". O artista fotografa a realidade, sobre ela fabula e, por fim, realiza, expressa, cria. Qual desses momentos é o mais gratificante?

6.5.05

O jovem Sabino, os jovens

Li "Os movimentos simulados", romance que Fernando Sabino escreveu aos 22 anos. Eu tenho 22 anos. Não sei se, caso escrevesse um livro hoje, o resultado seria melhor do que o de Sabino - espero que sim. Sei que o livro é muito ruim. Eu não o teria publicado da forma como o autor publicou - 60 anos depois ou quase, fazendo o que ele mesmo chamou de obra póstuma antecipada. "Movimentos" parece-me uma tentativa de escrever um romance à Nelson Rodrigues, uma patologia da vida privada. Só que o tom é enfadonho, a estrutura narrativa é simplória, os personagens não apresentam muitas características, as digressões não conseguem mostrar nada, só frases feitas. É um jogo em que se sabe sempre o movimento sdeguinte, nem um pouco dissimulado. Um escritor atual, de 22 anos, publicaria um livro deste nível?
Comecei a pensar nos autores da nova geração - da qual eu participaria, se fosse escritor. Tenho alguns desses livros, mas não os li. Talvez porque eu não seja contemporâneo de mim mesmo. Não sou suficientemente pós-moderno, nem sou marginal - sem uma delas, não se é "atual". Talvez não deva ler nenhum desses livros.
Na verdade, acho que escrevo isso porque estou farto e desesperançoso. Desculpem-me.