16.8.05

Por que todos escrevem sobre sexo?

Um primo meu disse: porque esse é um assunto que a humanidade ainda não resolveu.
Acredito que ele esteja certo, mas não é só isso. Escrever sobre sexo é vaidade, é criar para si um imagem agradável: a de quem conhece sexo. Por um operação "lógica", atribuem-se ao autor algumas características de seus personagens. Por isso, o que mais se lê é uma geração de sub-rubemfonsecas, sub-georgesbatailles. Surgiu um novo gênero: o kitsch erótico. Kitsch, pelo que me lembro da minha leitura do Umberto Eco, é uma obra que tenta utilizar os estilemas da arte, geralmente de um período imediatamente anterior, mas não consegue chegar a ser arte. Dezenas de escritores criam personagens que apreciam vinhos, intelectuais anti-intelectuais, irresistíveis conquistadores; descrevem as cenas de sexo com linguagem direta, objetiva; alguns chegam ao ponto de namorar seu personagem a uma prostituta, sem que ele tenha ciúme. Não duvido que os autores tenham vivido tais aventuras. Mas tenho certeza de que eles leram algo similar em romances e contos.
Existe uma confusão, criada talvez por alguns autores e literaturas, entre o autor real e a imagem que ele cria de si com os conhecimentos demonstrados na obra. Enquanto essa confusão restringiu-se aos leitores, não havia problema. No entanto, hoje os autores confundem-se com a voz que usa em seus livros. (O blogue não tem de ser o lugar onde autor real e narrador encontram-se, mas muitos blogueiros acham que tem de ser). Isso necessariamente leva a uma literatura enfadonha, repetitiva, autocomplacente; isto é, uma literatura em que só existe uma voz, que o tempo todo fala de si mesma; uma literatura sem nuances, sem contradições.
Todos continuam escrevendo sobre sexo – e que continuem, já que este é um problema a ser resolvido. Mas escrever sobre sexo não pode ser uma finalidade em si mesma. Literatura é linguagem. Por isso, defendo uma volta à forma, a uma arte pela arte. Para que haja bons livros que falem de sexo.

8.8.05

Ficção, não-ficção e nacionalidades

Estamos no ano 2005. Somos todos, de certa forma, habitantes de fronteiras, desenraizados. Somos brasileiros que pensamos como americanos, ou americanos invadidos por traços culturais brasileiros, mesmo sem saber. Os grandes escritores e pensadores são ainda mais desenraizados do que nós. Não é à toa que Ahdaf Soueif, V. S. Naipaul, Edward Said e tantos outros desfilam em artigos de grandes jornais (Guardian, Independent, New York Times etc.), em prêmios literários e em listas de mais vendidos. Afinal, eles devem ser mais aptos para entender esse mundo em que, de terrenos limitados por fronteiras, passamos a encontrar países formados por fronteiras que se entrecruzam.
V. S. Naipaul, de 72 anos, nem indiano, nem britânico, em uma entrevista ao New York Times (http://www.nytimes.com/2005/08/07/books/07DONADIO.html?pagewanted=1&th&emc=th), afirmou que a ficção não está mais apta para dar conta desta realidade.
''What I felt was, if you spend your life just writing fiction, you are going to falsify your material. And the fictional form was going to force you to do things with the material, to dramatize it in a certain way. I thought nonfiction gave one a chance to explore the world, the other world, the world that one didn't know fully.''
''It came to me that the great novelists wrote about highly organized societies. I had no such society; I couldn't share the assumptions of the writers; I didn't see my world reflected in theirs. My colonial world was more mixed and secondhand, and more restricted. The time came when I began to ponder the mystery - Conradian word - of my own background.''
Como escreveu Rachel Donadio, que entrevistou Naipaul, o escritor deveria abandonar seu lar e viajar por este ativo e ocupado mundo. O mundo não poderia estar contido em um romance.
O que me causa estranhamento é que logo um escritor de fronteiras (entre nacionalidades, entre profissões, entre ficção e não-ficção) não entenda que é justamente a literatura de fronteira entre gêneros (poesia e prosa, ficção e reportagem, relato autobiográfico e alegoria) que pode dar conta deste mundo maluco. Nada é mais limitado, mais conservador do status quo do que o realismo do romance estadunidense, à Philip Roth, que não faz mais nada do que apresentar a visão americana como compreensão universal do mundo. Sem pensar a linguagem do mundo é impossível pensar a realidade do mundo.