8.8.05

Ficção, não-ficção e nacionalidades

Estamos no ano 2005. Somos todos, de certa forma, habitantes de fronteiras, desenraizados. Somos brasileiros que pensamos como americanos, ou americanos invadidos por traços culturais brasileiros, mesmo sem saber. Os grandes escritores e pensadores são ainda mais desenraizados do que nós. Não é à toa que Ahdaf Soueif, V. S. Naipaul, Edward Said e tantos outros desfilam em artigos de grandes jornais (Guardian, Independent, New York Times etc.), em prêmios literários e em listas de mais vendidos. Afinal, eles devem ser mais aptos para entender esse mundo em que, de terrenos limitados por fronteiras, passamos a encontrar países formados por fronteiras que se entrecruzam.
V. S. Naipaul, de 72 anos, nem indiano, nem britânico, em uma entrevista ao New York Times (http://www.nytimes.com/2005/08/07/books/07DONADIO.html?pagewanted=1&th&emc=th), afirmou que a ficção não está mais apta para dar conta desta realidade.
''What I felt was, if you spend your life just writing fiction, you are going to falsify your material. And the fictional form was going to force you to do things with the material, to dramatize it in a certain way. I thought nonfiction gave one a chance to explore the world, the other world, the world that one didn't know fully.''
''It came to me that the great novelists wrote about highly organized societies. I had no such society; I couldn't share the assumptions of the writers; I didn't see my world reflected in theirs. My colonial world was more mixed and secondhand, and more restricted. The time came when I began to ponder the mystery - Conradian word - of my own background.''
Como escreveu Rachel Donadio, que entrevistou Naipaul, o escritor deveria abandonar seu lar e viajar por este ativo e ocupado mundo. O mundo não poderia estar contido em um romance.
O que me causa estranhamento é que logo um escritor de fronteiras (entre nacionalidades, entre profissões, entre ficção e não-ficção) não entenda que é justamente a literatura de fronteira entre gêneros (poesia e prosa, ficção e reportagem, relato autobiográfico e alegoria) que pode dar conta deste mundo maluco. Nada é mais limitado, mais conservador do status quo do que o realismo do romance estadunidense, à Philip Roth, que não faz mais nada do que apresentar a visão americana como compreensão universal do mundo. Sem pensar a linguagem do mundo é impossível pensar a realidade do mundo.

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