23.3.05

Dez razões para escrever

"Como escrever não é uma atividade normativa nem científica, não posso dizer por que nem para que se escreve. Posso apenas enumerar as razões pelas quais imagino escrever:
1. por necessidade de prazer que, como se sabe, não deixa de ter alguma relação com o encantamento erótico;
2. porque a escrita descentra a fala, o indivíduo, a pessoa, realiza um trabalho cuja origem é indiscernível;
3. para pôr em prática um 'dom', satisfazer uma atividade instintiva, marcar uma diferença;
4. para ser reconhecido, gratificado, amado, contestado, constatado;
5. para cumprir tarefas ideológicas ou contra-ideológicas;
6. para obedecer às injunções de uma tipologia secreta, de uma distribuição guerreira, de uma avaliação permanente;
7. para satisfazer amigos, irritar inimigos;
8. para contribuir para fissurar o sistema simbólico de nossa sociedade;
9. para produzir sentidos novos, ou seja, forças novas, apoderar-me das coisas de um modo novo, abalar e modificar a subjugação dos sentidos;
10. finalmente, como resultado de uma multiplicidade e da contradição deliberadas dessas razões, para burlar a idéia, o ídolo, o fetiche da Deterninação Única, da Causa (causalidade e 'boa causa') e credenciar assim o valor superior de uma atividade pluralista, sem causalidade, finalidade nem generalidade, como o é o próprio texto."
Roland Barthes, em Inéditos - Teoria, p.101-102.

***

Graciliano Ramos - citado como modelo por quase todos os escritores entrevistados na coluna "Arquivo pessoal" do Estado de S. Paulo - dizia que, quando não houver desigualdade no mundo, não haverá mais lugar para a literatura. Pode haver muitas razões para escrever - ser reconhecido e ganhar dinheiro ou se sentir como ser histórico e eterno - mas, como substrato de tudo isso, existe uma ausência de sentido que só pode ser designada como o desejo incontornável de se expressar, de dar voz à forças recônditas que habitam o eu que nem nós mesmos sabemos quem é.

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