O grotesco e o abstrato
Em um sonho, estou no meio da água. Ao meu redor, em bolhas, a vida petrificada: a infância eterna, morta e para sempre viva. Cabeças queimadas, cenhos franzidos quando a perna impulsionava a fuga, animais. À minha esquerda, o último sopro de vida de um jovem: seu pensamento aprisionado em uma bolha, transparente e indiferenciado. Se estenderá por séculos a luta da vida com a morte como a luta da vida velha recalcitrante contra a nova vida nascente, como uma crise de revezamento*. Estático, o derradeiro orgasmo da mulher é finalmente dissecado: um grande ovo formado de ovos menores, formados por ovos cada vez menores até o átomo, o orgasmema.
Por mais que contornasse os objetos, iluminados de forma mágica na profunda imersão escura, não via mais que uma superfície em que os símbolos foram ao pouco se deixando ver. E não via nada como as velhas grávidas de terracota. O que o ser fluido unia em uma mesma figura eram o plástico, o vidro e o fossilizado, que eu mesmo havia catado em minhas peregrinações pelas periferias da minha vida. Quando mais próximo chegava do comum e do universal, pensando nisto conseguir habitar, encontrava tudo polvilhado de minha experiência.
Se tudo são signos, como sair de mim? Fuja! Fuja! Um signo só, de todos e de ninguém, o mais antigo, um rabisco na tela à minha frente. Então faço um, mais um, ainda outro. Não me dizem nada, a não ser do que já conheço – sim, porque já os vi antes – e para os que conhecem o mesmo que eu.
Certamente não é isso. A verdade é que eu nunca quis o único, mas sim unificar meus passos em diferentes desenhos a cada vez que olho para trás e que o vento move alguns grão de minhas pegadas.
Após ver as exposições dos objetos de Farnese e de telas de Tápies, dia 27 de fevereiro de 2005 no CCBB.
*Mikhail Bakhtin. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento, página 44.
Por mais que contornasse os objetos, iluminados de forma mágica na profunda imersão escura, não via mais que uma superfície em que os símbolos foram ao pouco se deixando ver. E não via nada como as velhas grávidas de terracota. O que o ser fluido unia em uma mesma figura eram o plástico, o vidro e o fossilizado, que eu mesmo havia catado em minhas peregrinações pelas periferias da minha vida. Quando mais próximo chegava do comum e do universal, pensando nisto conseguir habitar, encontrava tudo polvilhado de minha experiência.
Se tudo são signos, como sair de mim? Fuja! Fuja! Um signo só, de todos e de ninguém, o mais antigo, um rabisco na tela à minha frente. Então faço um, mais um, ainda outro. Não me dizem nada, a não ser do que já conheço – sim, porque já os vi antes – e para os que conhecem o mesmo que eu.
Certamente não é isso. A verdade é que eu nunca quis o único, mas sim unificar meus passos em diferentes desenhos a cada vez que olho para trás e que o vento move alguns grão de minhas pegadas.
Após ver as exposições dos objetos de Farnese e de telas de Tápies, dia 27 de fevereiro de 2005 no CCBB.
*Mikhail Bakhtin. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento, página 44.
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