1.2.05

Os autores e eu

Na cidade em que nasci e em que passei meus primeiros quinze anos, não havia escritores nem músicos de sucesso. Na lombada dos livros que lia e na capa dos discos que ouvia, os nomes eram rótulos de produto. A aura, creio eu, longe de inimiga do consumo, era seu maior incentivo: aqueles nomes serviam como algo que atestava que esses escritores e músicos não eram como o padeiro que gritava à janela de manhã, como o médico que ia à casa de meu pai tomar uma dose de uísque.
O contato mais próximo com um desses rótulos vinha de uma coleção de livros de um tio da minha mãe, datilografados, muitos encadernados como brochura. Eram tratados sobre direito, matemática, teologia. Um pretendia provar matematicamente a existência de Deus. Daria boa ficção científica.
Estamos ligados ao nosso mundinho mais do que pensamos. Espanta-me, hoje, pensar como a arte, para mim, estava ligada à figura do gênio. Nunca pensei que um autor de que gostasse poderia escrever um livro ruim. Imaginava que nunca laguem pudesse criticar Machado de Assis ou Dalton Trevisan. Hoje, ainda me sinto um pouco ofendido quando leio que o Ruben Fonseca não é o mesmo, que a Clarice Lispector é um embuste, ou até mesmo que Os três mosqueteiros é um livro com pouco interesse.
Nietzche escreveu, referindo-se a Wagner, que a mais bela flor pode nascer do estrume. Grande ensinamento para mim. O autor de um ótimo livro pode ser um chato, ou um cara maneiro pode lançar um livro insignificante. Eu mesmo posso ter uma boa conversa, ser engraçado numa mesa de bar, ler livros legais e me esforçar, mas fracassar em minhas investidas nesse campo simultaneamente infinito em possibilidades e cruel com os incapazes, a literatura.

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